setembro 02, 2008

Pétalas

(Seile M. Corrêa)
Observei atentamente aquele homem sentado à beira da calçada. Talvez estivesse bêbado... ou não... Talvez meu inconsciente tenha criado essa idéia para que não me sentisse culpada por não me aproximar... Ele tinha uma visão que não ia muito além dos carros que paravam no semáforo, ou das pessoas que cruzavam rapidamente à sua frente temendo serem surpreendidas pelo cidadão. Impressionei-me com tamanha indiferença até que, de repente, surpreendi-me comigo mesma, julgando nos outros o que eu mesmo fazia... Por um momento, senti-me tão igual quanto a grande maioria que por ali passava... alguns detalhes apenas nos diferenciavam... Talvez, apenas, o local onde cada semente germinou...
E me perdi na idéia de que somos todos partes de um jardim... Até mesmo o senhor de roupas rotas, jogado na calçada: Ele já foi criança um dia. Já deve ter tido sonhos. Já deve ter acreditado em duendes, fadas e papai noel. É certo que já amou, já deve ter sido amado... Já deve ter sorrido e chorado... Já deve ter sido uma semente cheia de esperança... Um botão de rosa pronto prá desabrochar para a vida, uma bela flor dentro desse imenso jardim que é a nossa existência. E assim ele foi como todos nós somos... Só que como flores, alguns foram feitos para tempestades, outros, são delicados demais para um vendaval. Para uns, o vento forte é destrutivo, quebrando talos e arrancando as folhas para o chão. Para outros, quanto mais forte, maior a oportunidade de germinar seus projetos em novos horizontes... A chuva apodrece raízes dos que assim acreditam, mas refresca e irriga àqueles que sabem que tudo tem um lado bom. O mesmo sol que as queima, também as alimenta, e quando arrancadas, podem achar que é o fim de tudo, ou o começo de tudo, dependendo do que pensam sobre um belo arranjo para um evento especial...
É como flores perdidas em um espaço de terra, que vivemos. E somos um dia jardim, em outro, arranjos. Embora entediadas, parecidas, sufocadas pela maioria, é nosso o espaço que conquistamos. E podemos ver a multidão como problema... ou como parte do que é preciso para ser belo... Sofremos, é certo, mas sem chuva, sem vento, sem sol não há vida. Ao menos nosso terreno não foi árido em demasia para nos impedir de brotar e crescer até onde chegamos, agora.
Em parte, todos somos belos. Em parte, aquele homem flor desleixado na calçada tem uma história que eu não conheço e, talvez, nunca venha a conhecer... Ele pode saber coisas que eu nunca venha a aprender... Pode precisar de uma mão que eu possa dar mas, enquanto o ver como andarilho, nunca venha a oferecer...
Aos poucos, vão se alucinando os preconceitos estúpidos que, ainda, carrego. Àqueles que eu queria arrancar de mim com todas as forças e lançar ao deserto árido para que nunca voltem a desabrochar... Aos poucos o sentimento de culpa volta e eu desejo, ainda mais, ver as pessoas como elas merecem ser vistas... Antes da oportunidade ir embora e nos tornarmos todos como pétalas que sentem saudades de ser flor...

Um comentário:

E. Portela disse...

Agradecendo a visita e comentário no meu texto, comentário este que me fez refletir nas entrelinhas. Sobre seu texto que remete o ser humano ás flores, fez-me lembrar citações de Antoine de Saint-Exupéry, onde usa a inocência infantil para dizer: "Foi o tempo que dedicaste a tua rosa, que a fez tão importante", "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", portanto é preciso cautela, para não cativar algo que não se pretende "cultivar". As flores, estas florecem várias vezes durante a vida de uma planta, já os espinhos que ela produz, a acompanham por toda sua existência.

Abraço.