julho 28, 2008

Reticência... ?

(Seile Manuele Corrêa)
Eu tive aulas de língua portuguesa por 11 longos anos: desde a escola primária até a conclusão do 2° grau... Sem contar um ano ainda do curso de Jornalismo trancado no 2° ano e trocado por Fisioterapia, e não lembro, até hoje, de uma explicação convicta para a Reticência...
Disseram-me que a vírgula pausa, que o ponto encerra, que a exclamação exalta e a interrogação questiona... mas nunca me explicaram o por quê da reticência... e, embora hajam textos carregados das mais completas formas de pontuação, é ela quem tem concluido, dia após dia, minhas mais simples frases infundadas... e, na ânsia de decodificar os três potinhos, deparei-me com a resposta mais precisa: Não a que explicou o sinal, mas a que justifica o motivo pelo qual não o explicam:
Reticência é amplitude... é sinal do inacabado... E, ao mesmo tempo, a conclusão daquilo que não tem um fenecimento. Com ela, gera-se a dúvida acanhada, a resposta ousada, a crítica dissimulada... a dúvida se tudo isso está em uma mesma finalização...
No início, significa continuidade... ao final... a esperança... se sobram palavras, ela encerra. Se faltam, completa.
Já enxerguei, na reticência, medo e desejo. Indignação e receio. Sinal de alívio e aflição. Já converti nela minhas lágrimas... os sorrisos escondidos... as palavras que vieram à ponta dos dedos e que não tive tempo de escrever...
Nela, a brecha para cada um decidir a melhor forma de interpretar algo. O estímulo para o raciocínio e a dúvida do que virá a frente... A busca pela continuidade ao mesmo tempo que termina sem dizer se vai... ou se fica...
A reticência é o silêncio da expectativa... uma Monalisa em forma de pontuação... Com ela já construí castelos e, ao mesmo tempo, desmoronei edifícios...
É certo que sem reticência não há poema... não há beleza, não há sentimento...
E digo, ainda, que é dela a alma dos mais belos textos... a decodificação dos mais belos gestos... a vida da língua escrita, se puder assim dizer...
E só por isso não a justificam em todo, é da dúvida que resta sua explicação: Do espaço vago no final da frase, da (in)coerência em sua colocação...
Da interpretação que caracteriza e individualiza, deixando claro, a cada ponto, que dúvidas são rotineiras e que de reticência, todos nós temos um pouco...

julho 25, 2008

Tributos...

(Seile Manuele Corrêa)
Enquanto cai a chuva, na escuridão da noite, no centro da cidade onde as pessoas, embora rodeadas de centenas de humanos tão iguais quanto, seguem abandonadas, um tributo ao homem que oferecia, incansavelmente, salgados a R$ 1,00 para todos os que passavam em frente ao ponto do terminal rodoviário... E na angústia de ignorar o frio que congelava suas mãos, as esfregava, uma a outra enquanto estendia um sorriso àqueles que passavam com passos largos e rápidos, indiferentes...
Um tributo àquele senhor de cabelos brancos já encharcados, que usava uma camiseta encardida e amarrotada encharcada, uma bermuda à altura do joelho gasta e encharcada e, calçado com seu chinelo velho, pisava nas poças de água formadas sobre o asfalto escuro, encurvado, tracionando com um esforço que lhe custava o fôlego que não tinha, seu carrinho velho carregado com papéis e recicláveis...
Um tributo ao motoboy que aguardava, sob um pequeno espaço coberto de um bar velho com paredes pichadas, um cliente que pudesse lhe garantir o pão do próximo café da manhã... E, nem precisava ser o rapaz de terno que cruzava a rua correndo antes mesmo do sinal fechar, talvez por medo de ser surpreendido, talvez prá evitar molhar-se ainda mais... Ou a mulher obesa que carregava, quase que arrastando, dezenas de sacolas do supermercado que, provavelmente, acabara de fechar... Aliás, um tribuito aos funcionários que, depois de um dia inteiro de trabalho stressante, aguardavam ansiosos, sentados nos bancos gelados do terminal rodoviário, um ônibus que os levasse, inda que como sardinhas enlatadas, espremidas e esbugalhadas, ao seio de seu lar...
É engraçado perceber que nessas horas, o mundo passa indiferente. Posso apostar que ninguém (ou quase ninguém) observou detalhes dos garotos que, sentados à esquina do prédio velho e abandonado, pouco importando se a chuva aumentava, se o frio congelava ou se a iluminação era insuficiente, trocavam palavras, tapas e entorpecentes... E por quê não um tributo àqueles que sofrem a conseqüência do país que nós ajudamos a desconstruir cada vez que ignoramos as cenas do cotidiano que nos rodeiam?
Enquanto cai a chuva, na escuridão da noite, no centro da cidade, onde as pessoas, embora rodeadas de centenas de humanos tão iguais quanto, seguem abandonadas... Um tributo àqueles que são capazes de perceber que a vida vai muito além de correr da chuva e se esconder do frio... Afinal, se é o dinheiro de "grandes" que constrói um país, maiores aqueles que, na luta pela sobrevivência, permanecem em pé para mantê-lo firme...

julho 10, 2008

Deco / Indeco... ...dificável

(Seile Manuele Corrêa)
Elas sempre foram as mesmas palavras,
mas, nunca fizeram o mesmo sentido.
A resposta sempre foi a mesma,
a forma de compreendê-la é que mudou muito.
Ao redor, o espaço. Nada mais acima, ou abaixo.
Nunca houve nada além do que existe hoje.
E não importa o quê, ou quanto tempo falta:
Sempre será agora.
E, agora, o mundo acontece lá fora.
Agora, enquanto eu escrevo um texto
e você, a vida.
Eu até tentei compreender o tempo...
Mas tudo o que ele sempre me disse foi:
"Espera mais um pouco..."