julho 25, 2008

Tributos...

(Seile Manuele Corrêa)
Enquanto cai a chuva, na escuridão da noite, no centro da cidade onde as pessoas, embora rodeadas de centenas de humanos tão iguais quanto, seguem abandonadas, um tributo ao homem que oferecia, incansavelmente, salgados a R$ 1,00 para todos os que passavam em frente ao ponto do terminal rodoviário... E na angústia de ignorar o frio que congelava suas mãos, as esfregava, uma a outra enquanto estendia um sorriso àqueles que passavam com passos largos e rápidos, indiferentes...
Um tributo àquele senhor de cabelos brancos já encharcados, que usava uma camiseta encardida e amarrotada encharcada, uma bermuda à altura do joelho gasta e encharcada e, calçado com seu chinelo velho, pisava nas poças de água formadas sobre o asfalto escuro, encurvado, tracionando com um esforço que lhe custava o fôlego que não tinha, seu carrinho velho carregado com papéis e recicláveis...
Um tributo ao motoboy que aguardava, sob um pequeno espaço coberto de um bar velho com paredes pichadas, um cliente que pudesse lhe garantir o pão do próximo café da manhã... E, nem precisava ser o rapaz de terno que cruzava a rua correndo antes mesmo do sinal fechar, talvez por medo de ser surpreendido, talvez prá evitar molhar-se ainda mais... Ou a mulher obesa que carregava, quase que arrastando, dezenas de sacolas do supermercado que, provavelmente, acabara de fechar... Aliás, um tribuito aos funcionários que, depois de um dia inteiro de trabalho stressante, aguardavam ansiosos, sentados nos bancos gelados do terminal rodoviário, um ônibus que os levasse, inda que como sardinhas enlatadas, espremidas e esbugalhadas, ao seio de seu lar...
É engraçado perceber que nessas horas, o mundo passa indiferente. Posso apostar que ninguém (ou quase ninguém) observou detalhes dos garotos que, sentados à esquina do prédio velho e abandonado, pouco importando se a chuva aumentava, se o frio congelava ou se a iluminação era insuficiente, trocavam palavras, tapas e entorpecentes... E por quê não um tributo àqueles que sofrem a conseqüência do país que nós ajudamos a desconstruir cada vez que ignoramos as cenas do cotidiano que nos rodeiam?
Enquanto cai a chuva, na escuridão da noite, no centro da cidade, onde as pessoas, embora rodeadas de centenas de humanos tão iguais quanto, seguem abandonadas... Um tributo àqueles que são capazes de perceber que a vida vai muito além de correr da chuva e se esconder do frio... Afinal, se é o dinheiro de "grandes" que constrói um país, maiores aqueles que, na luta pela sobrevivência, permanecem em pé para mantê-lo firme...

Um comentário:

Alex Rocha disse...

Uau. Enquanto lia, passava um filme na minha cabeça. Filme este que presenciei por algum tempo na volta pra casa depois do trabalho e que está diariamente em cartaz de norte a sul deste país. É um filme que não muda, salvo algumas exceções como o detalhe da chuva e do frio. Porém, são os mesmos personagens, o mesmo cenário, o mesmo enredo...

Bjos, Manú.